Irène tem 19 anos e a vida pela frente. Ela quer ser atriz, vive seu despertar emocional e sexual, ama sua família e seus amigos e aos poucos coloca em movimento seus planos para o futuro. Ela irradia paixão e otimismo, como qualquer jovem aos 19 anos.

Esse entusiasmo seria contagiante, se não fosse solapado pelos fatos. Irène, que é judia, mora em Paris com o pai, o irmão e a avó. O ano é 1942, quando a França foi ocupada pelo exército nazista. A história mostra que não existe, nesse recorte do tempo, um final feliz.

Em sua estréia na direção, a atriz Sandrine Kiberlain dramatiza um fragmento de sua própria história, lembranças de seus avós na França invadida. “A Garota Radiante” foge, contudo, das convenções de filmes de guerra.

Não existe, por exemplo, bandeiras nazistas cobrindo os prédios ou soldados marchando pelas ruas. Nada de combates ou explosões ou edifícios em ruinas. Em vez disso, o roteiro opta por mostrar a vida com um semblante de normalidade, quebrado nas entrelinhas pela força opressora que substitui a rotina normal.

É uma escolha que não só combina com a personalidade de sua protagonista, mas que também espelha a reação da sociedade civil contemporânea com sinais recentes de opressão e extremismo. Encaramos a ascensão de extremistas de forma passiva, damos risada de seus protagonistas patéticos, e por muito pouco, ao menos aqui no Brasil, escapamos do mergulho em uma autocracia.

Irène, por sua vez, não vê as mudanças a seu redor com receio. Está está, afinal, preocupada com os ensaios de uma peça e com o teste que pode garantir uma vaga num conservatório artístico. Ou com o jovem médico que aos poucos preenche seu coração.

Ela não pensa duas vezes na gravidade de seu documento de identidade estar marcado com um carimbo que identifica sua ancestralidade. Ou na estrela de Davi que precisa ser costurada à sua roupa. Ou mesmo na obrigação de entregar telefones, rádios e até bicicletas, consolidando o isolamento de todo um povo. Quando pessoas passam a desaparecer, o alerta pode ser tardio.

A condição de existir sob a sombra do totalitarismo empresta a “A Garota Radiante” um sentimento ambíguo de tensão permanente, equilibrado pelo prazer de viver de sua protagonista. É uma escolha narrativa agridoce, acentuada pelo excelente trabalho da atriz Rebecca Marden que, como Irène, passeia com graça e leveza pelo humor e pela seriedade. A realidade, por fim, atropela os sonhos mais esfuziantes.